Em menos de um ano, pesca de resíduos mostra evidências de recuperação ambiental

O projeto “Pesca de resíduos na Baía de Guanabara” está prestes a completar um ano desde o início da coleta de resíduos sólidos do ambiente marinho nos arredores da Ilha do Governador. Desde abril de 2022, os 23 pescadores das duas colônias tradicionais envolvidas no projeto, Praia dos Bancários e Z-10, conciliaram o tempo de coleta com a tentativa de dar continuidade à pesca artesanal. O trabalho realizado por eles até aqui, apesar de parecer modesto ante o tamanho da poluição do local, vem mostrando resultados visíveis de recuperação de mangues e praias degradadas, que chegaram ao ponto de serem reconhecidos como locais de despejo de resíduos.

As duas comunidades pesqueiras envolvidas no projeto realizam as coletas em oito pontos da Ilha do Governador (mapa 1)*. A Colônia da Praia dos Bancários, localizada ao norte da Ilha, tem feito a coleta em manguezais, áreas diretamente impactadas pelo Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho, um dos maiores da América Latina. Situado em Duque de Caxias, foi operado durante décadas como aterro controlado até 2012, e recebia a maioria dos resíduos gerados no município do Rio de Janeiro.

A Colônia de Pescadores Z-10, considerada uma das mais antigas do Brasil, realiza a coleta em seis localidades ao sul da Ilha. A Z-10 está localizada na maior área de manguezal protegida da cidade, a Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana (APARU) do Jequiá, que inclui remanescente de Floresta Atlântica e ecossistemas associados. Contudo, devido às intensas atividades humanas, a área de manguezal, que originalmente cobria mais de 260 km2, hoje cobre apenas 80 km2.

Os resíduos sólidos que terminam sua vida na costa e nos manguezais da Baía causam uma grande degradação do meio ambiente, da flora e fauna locais e dos recursos hídricos. Os ecossistemas locais são prejudicados em vários aspectos, já que muitos organismos não sobrevivem ao alto índice de poluição ambiental. “Eu acho muito importante retirar o lixo da Baía de Guanabara, porque nos mangues, o lixo fica em cima dos buracos de caranguejo e eles não conseguem sair”, relata Alair, um dos pescadores participantes do projeto. “Esses dias, encontramos uma rede com mais de 20 caranguejos morrendo por conta da quantidade de lixo onde eles vivem”, completa Naldo.

Esse processo também afeta diretamente a atividade pesqueira e provoca significante desmembramento sociocultural. Contornar o problema, portanto, traz benefícios múltiplos. “Como pescador, é uma satisfação imensa estar ajudando a natureza a se recuperar, através da coleta de resíduos, mesmo que muitos achem que é como enxugar gelo. Sem contar que ajuda na nossa pescaria também, os seres vivos do mar conseguem viver e conseguimos levar nosso pão para casa”, disse Mario.

Observa-se, portanto, que as atividades de coleta de resíduos, apoiadas na conscientização dos pescadores, produziram mudanças em sua visão de mundo. Eles relatam um sentimento de realização profissional associado à esperança de transformar o ambiente local, evidenciando a necessidade de ações contínuas que resultem em efeitos duradouros, como a educação ambiental. 

O problema da poluição da Baía de Guanabara 

Circundada pela Região Metropolitana do Rio de Janeiro, os ecossistemas da Baía de Guanabara são afetados pela densidade populacional e as atividades dos municípios que são os maiores geradores de resíduos sólidos no Estado: São Gonçalo, Belford Roxo, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro e Duque de Caxias. O problema se deu pelo processo de ocupação desordenada não acompanhada pela implantação ou melhoria de serviços de saneamento básico, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. A Baía sofre também com a presença dos principais aterros sanitários do Estado e de diversos lixões.

Embora desativados, os lixões ainda recebem resíduos de forma irregular, tornando-se vazadouros ativos de resíduos para a Baía. O mapa 2 (fonte) apresenta a localização dos lixões conhecidos (certamente existem muitos outros não mapeados). Os lixões também estão entre as principais fontes de poluição do solo e das águas subterrâneas, assim como de gases de efeito estufa.

O mapa também mostra os rios receptores de lixiviado gerado nessas áreas, um subproduto da decomposição de resíduos sólidos em lixões e aterros caracterizado por elevada toxicidade. Os 55 rios, riachos e canais que deságuam na Baía foram quase todos canalizados e são utilizados como drenagens pluviais. Eles conduzem águas poluídas, resultado da degradação provocada pelos despejos de efluentes industriais e domésticos, pelo descarte de grande volume de resíduos sólidos, além do derramamento acidental de óleo de embarcações.

Para reter o avanço do lixo flutuante à Baía de Guanabara, o governo do RJ lançou em 2004 o projeto Ecobarreiras, que consiste na instalação de barreiras na transversal da foz de seus rios contribuintes. Porém, vários entraves colocam em xeque a operação desse sistema, como o alto custo de manutenção, a alta densidade de resíduos e a dificuldade de remoção de materiais volumosos, como por exemplo, móveis e eletroeletrônicos, itens que também desafiam a coleta realizada pelos pescadores do projeto. “Encontramos todo tipo de lixo, muito sofá, muita geladeira. Às vezes não parece que estamos trabalhando no mar, mas numa loja de móveis e eletrodomésticos”, disse Tiago, ressoado pelo colega Luciano: “Quando vamos fazer a coleta, encontramos 8, 10 sofás e não conseguimos tirar por conta da maré baixa, ficamos de mãos atadas”.

Muitos avanços, portanto, ainda são necessários. O projeto tem provado ser possível associar ações para melhorar as condições de vida da categoria dos pescadores e, ao mesmo tempo, dar visibilidade ao problema ambiental causado pelo despejo de materiais sólidos em ambientes marinhos.

* Fonte do mapa: MIRANDA, Juliana de Paula de. O ‘’SHOPPING DE LIXO’’ A CÉU ABERTO NO ENTORNO DA ILHA DO GOVERNADOR E OS IMPACTOS CAUSADOS NA BAÍA DE GUANABARA.  TCC (Graduação) – Curso de Ciência Ambiental, Departamento de Análise Geoambiental, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2023, p. 36.