O caso dos sofás, colchões e móveis estofados atolados nos manguezais da Baía de Guanabara
Ao acompanhar o trabalho do nosso projeto ‘Pesca de resíduos na Baía de Guanabara’, uma preocupação vem à tona. Temos nos surpreendido com a quantidade de sofás, poltronas, colchões e estofamento diversos sendo retirados dos mangues pelos pescadores das colônias Bancários e Z-10, ambas na Ilha do Governador.
“Foi difícil de acreditar a primeira vez que vi uma dupla de pescadores equilibrando um sofá num barquinho a remo. Fiquei imaginando como um sofá vai parar na Baía de Guanabara. Hoje, infelizmente, a cena do pescador trazendo um sofá é comum, todos os dias coletamos pelo menos um sofá, e já teve dia que coletamos quatro”, comenta o especialista em economia circular da BVRio, Pedro Succar.
É mesmo impressionante a quantidade de móveis estofados despejados no mar, desde poltronas até sofás enormes, retirados do mar com a força dos pescadores experientes. A tarefa exige um esforço coletivo já que esses móveis são encontrados atolados, muitas vezes agarrados à vegetação dos manguezais. É comum os pescadores terem que desmembrar um sofá com o auxílio de facões, pendurado na proa do barco, ou atolado pela lama até a altura do meio das pernas no manguezal. Como os sofás estão encharcados, o peso se multiplica junto da água, areia e lama, sendo necessário um time de pescadores para desatolá-los, colocá-los em cima do barco e realizar o transporte dessa pesca de resíduos e limpeza da baía. Chegando em terra firme, outro time se junta para ajudar a desembarcar o resultado da coleta.
Em geral, os estofados são deixados na rampa de atracamento, na beira da praia, para que a água escorra, enquanto terminam de tirar dos barcos os demais resíduos que são classificados e pesados. Os sofás maiores ficam por último no processo de limpeza, espremidos para escorrer o máximo de água possível e são levados para pesagem. Com a ajuda de cinco a seis pescadores, eles são presos a um gancho e içados dentro de uma enorme bolsa de pesagem de resíduos com capacidade de cerca de 200 quilos.
Esse mar não está pra peixe
É difícil não se perguntar porque tantos sofás acabam atolados nos manguezais da Baía de Guanabara. “Não acredito que alguém jogue um sofá no mar. Realmente não é provável que esses sofás tenham sido descartados no mar, o manguezal é só o ponto final de um longo caminho”, explica Pedro.
Os sofás chegam pelos rios e canais da Guanabara, vários muito poluídos e assoreados pelo intenso processo de crescimento urbano desordenado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Segundo o Instituto Baía de Guanabara, em maior ou menor medida, todos os rios da Guanabara sofreram degradação e drásticas intervenções, como a retificação dos cursos, o que acelera a correnteza e contribui para o arrasto de sedimentos. Outros, como o Macacu, ainda mantêm qualidade suficiente para o abastecimento público.
No dia a dia, é comum muitas pessoas descartarem grandes resíduos como os sofás nas ruas ou, infelizmente, também despejá-los no mar. No caso das praias da Ilha do Governandor, eles devem vir de comunidades da Baixada Fluminense. As fortes chuvas e recorrentes inundações, resultadas do assoreamento dos rios e degradação da vegetação, arrastam esses resíduos pelos rios até a Baía de Guanabara e se engancham nos manguezais. Quando a maré está baixa, esses móveis pesados vão atolando nos mangues.
O estabelecimento de uma economia circular é crucial para aumentar a vida útil de móveis estofados, seja pela educação ambiental da população para descarte correto (doação ou serviço gratuito de remoção de bens fora de uso), seja para reaproveitamento dos materiais de móveis e estofamento pela indústria. Há produtos que são irrecuperáveis, mas outros podem ser doados. No Rio de Janeiro (RJ), a Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) oferece serviço gratuito de remoção de entulho, restos de podas de árvores e bens fora de uso (fogões, geladeiras, sofás etc.). O pedido pode ser feito à Central de Atendimento ao Cidadão pelo número 1746, que funciona 24 horas.
Informe-se sobre qual empresa oferece esse serviço ambiental em seu município.
No próximo capítulo, vamos falar sobre a montanha de chinelos e sapatos retirados do mar na Baía de Guanabara.